Animais de raça também são abandonados!

Se há uns anos eram só os 'rafeiros' que a SPAD acolhia, hoje já são muitos os cães e gatos de raça que aparecem abandonados. Os culpados são muitos.
Data: 04-07-2008

É só escolher. Pastores alemães, huskies, serras da estrela, boxers, chow-chows, labradores, dálmatas, dobermans, cocker spaniels, setters, até rottweillers e pitt bulls. Não estamos a falar das raças presentes numa qualquer mostra canina, mas sim de alguns dos animais que são acolhidos pela SPAD após terem sido abandonados.

Nos últimos anos, o abandono deixou de ser um fenómeno típico dos 'rafeiros'. Nas jaulas do canil da associação, os animais de raça destacam-se daqueles que têm raça indefinida. Reconhecem-se pelo pêlo, pela língua de cor diferente, pelo porte ou pelo corpo musculado. Mas o olhar é o mesmo dos outros, dos rafeiros, e quando chega alguém começam logo a ladrar e a pedir carinhos. Luna e Lunita, uma jovem adulta e uma cria chow-chow, mãe e filha, estão há poucas semanas na SPAD. Apareceram abandonadas à beira de uma estrada. Nifa, uma setter 'arraçada' foi trazida para a associação pela vice-presidente, Micaela Revelo Quintal, que a encontrou numa madrugada, junto às roulottes da Avenida Sá Carneiro, prenhe e desamparada. Depois ainda há o Pipo, e o Provisório, dois labradores, o Rubi, uma cria de pitt bull e um pitt bull adulto, e muitos outros.

Embora muitos sejam adoptados, por pessoas da Região e até por estrangeiros que não hesitam em levar os animais para fora do país, o problema do abandono, mesmo entre os animais de raça, está longe de terminar.

José Carlos Silva, o mais antigo sócio da Região do Clube Português de Canicultura e, há duas décadas, criador de labradores e golden retrievers, admite que "o problema dos animais abandonados tem muitas razões e vários culpados".Segundo refere, há culpados que são os mesmos há 10 ou 15 anos, como o Governo ou as autarquias. "Os políticos nunca se preocuparam com os animais abandonados", diz. "É uma situação que não dá votos". No caso da Região, os cães vadios e errantes são um contraste com a imagem turística que a Madeira pretende manter e reforçar. "É muito desagradável para um visitante ver os animais na situação que nós já nos habituámos a ver". José Carlos Silva, embora um aficionado do futebol e do desporto em geral, propõe às entidades oficiais uma solução simples: em vez de subsidiar os clubes para contratar um jogador que nunca será utilizado, o Governo deve canalizar esse dinheiro para resolver o problema dos animais abandonados. Também as autarquias não podem continuar a transferir para os outros, para associações como a SPAD, competências que são suas, defende o criador. Aumentando ou estabelecendo contribuições a pessoas competentes na área, a situação pode ser minorada. "Sem dinheiro não se faz nada", salienta. Mas a lista de culpados não se fica pelas entidades oficiais ou governamentais.

José Carlos Silva aponta ainda o dedo a alguns veterinários que incentivam algumas pessoas a fazer criações dos seus animais, sem as sensibilizar para as implicações reais de ter uma ninhada de cães ou gatos para dar ou vender. E depois, há a inda a situação dos 'pseudocriadores', "aqueles que não são profissionais e que fazem desta actividade uma maneira fácil de ganhar dinheiro". O proprietário do 'Canil Brun da Montana' diz que há cada vez mais pessoas a se tornarem 'criadores amadores', que não planeiam ninhadas, não se importam com a qualidade dos animais, nem têm um cuidado especial na escolha dos potenciais compradores. Limitam-se a fazer as criações e a vender. "Não basta fazer a reprodução de determinadas raças para ser criador", explica José Carlos Silva. "O papel do criador é tentar melhorar o estalão [qualidade] da raça, é planear as criações de modo a que, antes de nascerem, já saibam que algumas crias têm donos à partida".

Além disso, acrescenta, um bom criado deve sempre falar com o potencial comprador e procurar saber se tem condições em termos habitacionais e mesmo financeiros, indagar o porquê de querer um cão e saber se tem disponibilidade para estar com o animal. Um cão deve de ser visto como mais um membro do agregado familiar, defende. "Se tudo isto for bem estruturado será um prazer ter um cão. Senão, o animal passará a ser um pesadelo". José Carlos Silva leva à letra estas regras. Por isso mesmo já lhe aconteceu, "por várias vezes", se recusar a vender um animal a determinadas pessoas que não encaixavam no perfil traçado. Mesmo depois de vender um cão, aquele que é um dos mais antigos criadores profissionais da Região, faz questão de acompanhar o desenvolvimento dos animais, visitando-os nas novas casas ou recebendo as suas visitas. "Todos os meus cães são meus afilhados", brinca. "Tenho dois afilhados humanos, mas cães são mais de 400". E embora diga que não tem conhecimento de que algum cão criado por si tenha sido vítima de abandono ("ficaria muito chocado se isso acontecesse"), até porque, acima de tudo, preza a qualidade dos seus animais, quer evitar sustos futuros."Uma das coisas que pretendo começar a fazer já a partir das próximas ninhadas é o de colocar o microchip antes de vender o animal e não dar aos compradores o pedigree provisório", revela José Carlos Silva. Assim, os novos donos já receberão o pedigree definitivo, incluindo a informação do microchip já colocado. "É uma segurança e uma garantia", defende. Numa situação de abandono, os donos seriam facilmente encontrados e responsabilizados. Se todos os criadores profissionais seguissem estes exemplos, José Carlos Silva acredita que o abandono de animais seria muito mais difícil. Escolher 'a dedo'Quando alguém quer adquirir um animal de determinada raça, tem de se informar muito bem sobre as características dessa raça. O alerta é de José Carlos Silva, proprietário do 'Canil Brun da Montana' e um dos mais antigos criadores profissionais da Região. Embora crie apenas labradores e golden retrievers, José Carlos Silva é bom conhecedor das outras mais de 400 raças caninas e descreve facilmente as características de todas elas. É por isso que não tem problemas em afirmar que "há raças mais complicadas do que outras", independentemente de estarem no grupo das chamadas 'potencialmente perigosas'. Depois, refere, "as pessoas não devem adquirir um cão só porque é bonitinho quando bebé". Os cães crescem e por vezes, em adultos, não são aquilo que as pessoas esperavam.

Na Região, José Carlos Silva desaconselha a que as pessoas tenham huskies (raça com elevado número de abandonos) ou São Bernardos, cães geneticamente habituados a temperaturas mais baixas e que dificilmente se adaptam ao clima da Madeira. Os dálmatas, explica, embora bonitos, são difíceis de ensinar e os cockers são muito temperamentais. Os animais das raças potencialmente perigosas também não devem ser adquiridos de ânimo leve, porque podem ser traiçoeiros em algumas situações. O animal deve ser escolhido de acordo com a função pretendida: se será cão de guarda ou de companhia, se a casa tem crianças ou se recebe muitas visitas. Cada raça adequa-se a cada situação. É preciso saber escolher com consciência.

In dnoticias.pt