Animais têm sido abandonados em zonas remotas como o Paul da Serra e Choupana, e lutam até morrer pela sobrevivência
Data: 08-11-2009
Confuso, molhado até aos ossos, um pequeno cão deambula entre os automóveis parados no parque de estacionamento do miradouro do Rabaçal, no Paul da Serra. O nevoeiro é intenso naquela manhã de quinta-feira. A chuva cai miudinha, mas constante, empapando a terra e desenhando poças de água aqui e ali, que o animal serpenteia à procura de comida, e do dono que o deixou ali para morrer.
Mais à frente, na estrada, o mesmo cenário. O cão é maior, parece um pastor-alemão 'arraçado', mas a fome, o corpo encharcado, o olhar perdido e suplicante é em tudo igual ao que o seu colega de infortúnio apresenta. Vai caminhado sem pressa pela estrada, detendo-se na berma quando avista um automóvel, para olhar fixamente para o interior, mas foge, desconfiado, quando alguém se aproxima.
Ambos foram abandonados ali por quem confiavam mais, e agora sobrevivem com a pouca comida que encontram na berma da estrada, atirada por algum automóvel que passa, ou que lhes vai sendo dada pelos turistas que frequentam a zona. Naquela de quinta-feira não estão com muita sorte. Os turistas saem apressados dos carros, e não se detêm no parque de estacionamento que, cercado pelo nevoeiro, não deixa ver a beleza do planalto. Descem rápido rumo ao Rabaçal, e os animais ficam entre os carros, à procura, talvez, de um pouco de carinho. E mesmo nos dias em que alguma comida sai das mãos dos turistas, é sempre pouco. Muito pouco para sobreviverem. Basta olhar para os números.
"Já vi mais de 10 naquela zona, agora só lá andam três ou quatro", diz João, um caçador que aquece a garganta com uma poncha, na pousada do Paul da Serra, abanando a cabeça em sinal de discordância.
"Não sei como é que alguém pode fazer isso a um amigo", questiona, apontando para um atrelado próximo. "Os meus cães estão ali, e mais do que animais, são os meus companheiros".
Dos três que João diz que habitam na zona do Rabaçal, o DIÁRIO só encontrou dois, indicando que o terceiro não sobreviveu, e já não faz parte das "vergonhosas" estatísticas de animais que vagueiam abandonados as ruas da Região.
Mas fazem João, algumas pessoas fazem isso a um "amigo". O Paul da Serra, por ser pouco movimentado é um dos locais onde isto mais acontece, sinal claro de que quem abandona os animais sabe que o que está a fazer é reprovável. Por isso escolhem 'atraiçoar' os cães longe de testemunhas, como acontece na zona da Choupana, nas imediações do Estádio da Madeira. Aqui, além da fome, da sede, do frio, os cães ainda enfrentam outros perigos, de morte mais imediata. Existem relatos da colocação de armadilhas para cães em terrenos privados, longe da vista de quem passa pelo Caminho dos Pretos ou nos arruamentos circundantes. "Já ouvi falar nisso, mas nunca vi nada", confessa um funcionário do estádio, acrescentando que as armadilhas eram para evitar que os cães matassem as cabras.
"Antes havia muitos cachorros por aqui, agora só de vez em quando é que aparecem um ou outro", diz, varrendo a zona com o olhar à procura de algum exemplo. Não encontra, mas mais abaixo, na descida para o Largo do Miranda, encontramos dois. O primeiro, franzino de nascença, aparece atrás de uma curva com o pêlo encardido pela falta de cuidados. Quase parece saudável a cauda a abanar para os carros que passam, mas o ar cansado mostra que anda nas ruas há demasiado tempo.
O segundo é um 'esqueleto'. Outrora elegante, se olharmos para a compleição física, este 'rafeiro' descansa à porta de uma casa onde, da rua, consegue-se ver uma casota de cão, de certeza muito mais feliz do que ele. Levanta-se em silêncio - o silêncio é comum a todos os animais que encontramos abandonados, como se não quisessem acusar que os atirou para a rua - quando o carro passa, e a pele colada ao corpo revela a fome que tem passado, há muito tempo. Este cão, este corpo martirizado, é um símbolo dos maus tratos e do abandono que por ano, só no Funchal, segundo as contas dos bombeiros, vitima mais de 600 animais na Região.
Isto apesar da legislação punir estas práticas. Isto apesar das campanhas de sensibilização. Isto apesar da crueldade do acto de abandonar um animal para morrer. "Falta cidadania, falta humanidade, falta cultura e sensibilidade, falta tudo às pessoas que fazem isso", acusa Fátima Gonçalves, responsável na Madeira pela 'Associação Pata - Porque os animais também se amam'.
Para ela é necessário leis mais duras para quem maltrata e abandona os animais. "O que existe é uma coima, que na maioria das vezes nem é paga", explica, dizendo que só as penas de prisão são adequadas para punir estas práticas. "Saiu, há poucos dias, um diploma que prevê penas de prisão para quem promova ou participe em lutas de cães, e essa penalização deveria ser alargada ao abandono e aos maus tratos", defende Fátima Gonçalves, que acredita que o mais importante é prevenir. "Uma cadela com uma vida reprodutiva de seis anos, pode dar à luz a mais de seis mil cães, daí que é necessário sensibilizar as pessoas para a importância da esterilização dos animais", diz a responsável pela 'Pata', lembrando que as pessoas que querem ter uma ninhada devem pensar muito bem antes. "Mesmo que consigam dar os filhotes todos, esses filhotes vão ter filhotes e alguns vão acabar nas ruas", alerta.
Foi esse o destino dos cães do Paul da Serra, dos da Choupana, e de todos os outros que percorrem as ruas madeirenses, à procura de comida, de carinho e de um dono que não os trate como brinquedos descartáveis.
In dnoticias.pt
Data: 08-11-2009
Confuso, molhado até aos ossos, um pequeno cão deambula entre os automóveis parados no parque de estacionamento do miradouro do Rabaçal, no Paul da Serra. O nevoeiro é intenso naquela manhã de quinta-feira. A chuva cai miudinha, mas constante, empapando a terra e desenhando poças de água aqui e ali, que o animal serpenteia à procura de comida, e do dono que o deixou ali para morrer.
Mais à frente, na estrada, o mesmo cenário. O cão é maior, parece um pastor-alemão 'arraçado', mas a fome, o corpo encharcado, o olhar perdido e suplicante é em tudo igual ao que o seu colega de infortúnio apresenta. Vai caminhado sem pressa pela estrada, detendo-se na berma quando avista um automóvel, para olhar fixamente para o interior, mas foge, desconfiado, quando alguém se aproxima.
Ambos foram abandonados ali por quem confiavam mais, e agora sobrevivem com a pouca comida que encontram na berma da estrada, atirada por algum automóvel que passa, ou que lhes vai sendo dada pelos turistas que frequentam a zona. Naquela de quinta-feira não estão com muita sorte. Os turistas saem apressados dos carros, e não se detêm no parque de estacionamento que, cercado pelo nevoeiro, não deixa ver a beleza do planalto. Descem rápido rumo ao Rabaçal, e os animais ficam entre os carros, à procura, talvez, de um pouco de carinho. E mesmo nos dias em que alguma comida sai das mãos dos turistas, é sempre pouco. Muito pouco para sobreviverem. Basta olhar para os números.
"Já vi mais de 10 naquela zona, agora só lá andam três ou quatro", diz João, um caçador que aquece a garganta com uma poncha, na pousada do Paul da Serra, abanando a cabeça em sinal de discordância.
"Não sei como é que alguém pode fazer isso a um amigo", questiona, apontando para um atrelado próximo. "Os meus cães estão ali, e mais do que animais, são os meus companheiros".
Dos três que João diz que habitam na zona do Rabaçal, o DIÁRIO só encontrou dois, indicando que o terceiro não sobreviveu, e já não faz parte das "vergonhosas" estatísticas de animais que vagueiam abandonados as ruas da Região.
Mas fazem João, algumas pessoas fazem isso a um "amigo". O Paul da Serra, por ser pouco movimentado é um dos locais onde isto mais acontece, sinal claro de que quem abandona os animais sabe que o que está a fazer é reprovável. Por isso escolhem 'atraiçoar' os cães longe de testemunhas, como acontece na zona da Choupana, nas imediações do Estádio da Madeira. Aqui, além da fome, da sede, do frio, os cães ainda enfrentam outros perigos, de morte mais imediata. Existem relatos da colocação de armadilhas para cães em terrenos privados, longe da vista de quem passa pelo Caminho dos Pretos ou nos arruamentos circundantes. "Já ouvi falar nisso, mas nunca vi nada", confessa um funcionário do estádio, acrescentando que as armadilhas eram para evitar que os cães matassem as cabras.
"Antes havia muitos cachorros por aqui, agora só de vez em quando é que aparecem um ou outro", diz, varrendo a zona com o olhar à procura de algum exemplo. Não encontra, mas mais abaixo, na descida para o Largo do Miranda, encontramos dois. O primeiro, franzino de nascença, aparece atrás de uma curva com o pêlo encardido pela falta de cuidados. Quase parece saudável a cauda a abanar para os carros que passam, mas o ar cansado mostra que anda nas ruas há demasiado tempo.
O segundo é um 'esqueleto'. Outrora elegante, se olharmos para a compleição física, este 'rafeiro' descansa à porta de uma casa onde, da rua, consegue-se ver uma casota de cão, de certeza muito mais feliz do que ele. Levanta-se em silêncio - o silêncio é comum a todos os animais que encontramos abandonados, como se não quisessem acusar que os atirou para a rua - quando o carro passa, e a pele colada ao corpo revela a fome que tem passado, há muito tempo. Este cão, este corpo martirizado, é um símbolo dos maus tratos e do abandono que por ano, só no Funchal, segundo as contas dos bombeiros, vitima mais de 600 animais na Região.
Isto apesar da legislação punir estas práticas. Isto apesar das campanhas de sensibilização. Isto apesar da crueldade do acto de abandonar um animal para morrer. "Falta cidadania, falta humanidade, falta cultura e sensibilidade, falta tudo às pessoas que fazem isso", acusa Fátima Gonçalves, responsável na Madeira pela 'Associação Pata - Porque os animais também se amam'.
Para ela é necessário leis mais duras para quem maltrata e abandona os animais. "O que existe é uma coima, que na maioria das vezes nem é paga", explica, dizendo que só as penas de prisão são adequadas para punir estas práticas. "Saiu, há poucos dias, um diploma que prevê penas de prisão para quem promova ou participe em lutas de cães, e essa penalização deveria ser alargada ao abandono e aos maus tratos", defende Fátima Gonçalves, que acredita que o mais importante é prevenir. "Uma cadela com uma vida reprodutiva de seis anos, pode dar à luz a mais de seis mil cães, daí que é necessário sensibilizar as pessoas para a importância da esterilização dos animais", diz a responsável pela 'Pata', lembrando que as pessoas que querem ter uma ninhada devem pensar muito bem antes. "Mesmo que consigam dar os filhotes todos, esses filhotes vão ter filhotes e alguns vão acabar nas ruas", alerta.
Foi esse o destino dos cães do Paul da Serra, dos da Choupana, e de todos os outros que percorrem as ruas madeirenses, à procura de comida, de carinho e de um dono que não os trate como brinquedos descartáveis.
In dnoticias.pt
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